Cartas Para Julieta

Mil palavras... Um sentimento...
 
Cartas Para Julieta

Desvanecer

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Hum… acho que é… framboesa?

A dor nas costas é brutal! Sinto o calor do asfalto nas pontas dos dedos, como se do resto do corpo estivessem desligados. Ouço vozes, mas lá muito ao fundo. Palavras emergentes, desprendidas de significado, perdendo-se no eco da dor. Sinto um toque de lábios que me sopra violentamente a vida, acompanhado de uma ritmada sequência de desespero pelo batimento do meu coração. Hum… acho que é… framboesa? Mordo os lábios à procura de confirmação. Certo! Com aroma de framboesa voltei à vida. Abro os olhos e entre o rosado esborratado da fruta consigo ler: “Estás bem?” – Agora estou! Os dedos conectaram-se e a dor esfriou com o aquecer do corpo. Mas quero mais framboesa. Levanto a mão para ti, e nem te importas quando sentes a textura rude de uma mão atropelada a desfilar por entre o teu cabelo, tentando deixar à vista o caminho para o pote das framboesas.

– Quem és tu? O meu anjo da guarda? 

– Não. Apenas o demónio que te atropelou. Desculpa!

– Quero… framboesa… 

E as palavras passaram a submergentes… a navegar no éter sem direção definida, sem saber distinguir o que vem primeiro: se o eco… se o eco. Brindas-me novamente com a melhor framboesa do teu pote, mas desta vez não consigo sentir o sabor… nem o calor… nem a dor.

Romeu ©

Templo da mente

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Subo os degraus do templo da mente e expulso todos os vendilhões e vozes galináceas que auguram o meu dia

Fecho os olhos! Subo os degraus do templo da mente e expulso todos os vendilhões e vozes galináceas que auguram o meu dia. Desenho-te num traço meigo… desenho-te, sim, só para mim! Desenho-te como nunca te vi, mas como sempre te senti. Enrolo o traço e dou-te forma, volume. Dou-te cor e sabor. Dou-te emoção, pondo em ti um pouco do meu coração. Dou-te voz, e sento-me, encantado, a apreciar a tua capacidade de fazer corresponder as palavras aos espaços vazios que há muito anseiam ser preenchidos. E sorrio…
Convido-te a patinar, livremente, por entre os segredos da minha mente. Eles revelam-se para ti. Expõem-se à tua passagem, ansiando que o teu toque os pulverize, libertando assim todo o espaço para os teus aposentos.
Recuso abrir os olhos. Receio que ao amanhecer, reveles ser apenas mais um sonho real, ao invés da por mim desejada realidade de sonho.

Romeu ©

Não te distraias…

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“Não te distraias!” – dizias.

Ainda sinto a tua mão por cima da minha quando a levo à alavanca para engrenar a velocidade seguinte. Lembro-me do seu constante vai e vem entre esta mesma alavanca e o teu colo, e o teu sorriso automático de cada vez que ela voltava para ti. “Não te distraias!” – dizias.

Milhares de quilómetros que fizemos lado a lado, milhares de quilómetros que nos trouxeram até aqui. Ao mesmo sítio. A casa! Contigo ao lado, sempre estive em casa, sempre estive a horas. Estive sempre lá! Contigo! Tu eras o meu referencial tempo-espaço, o meu norte magnético, o eixo dos ponteiros do meu relógio. Tudo o resto era acessório, apenas uma aglomeração nublosa de estados e acontecimentos num qualquer ponto cardeal ou colateral. Poeira! A vida era vivida a partir do centro, e não em uma sucessão de correrias esgotante de evento em evento. Revigorante. E não é assim que deve ser? Haverá maior sensação de liberdade do que um entrelaçar de vidas materializado na forma como o meu olhar – e apenas ele – abria a porta de casa? Tão espaçoso, o teu coração, visto de dentro! Tão… translúcido, aprisionava e concentrava toda a luz natural para me oferecer o melhor de ti. Tão… acolhedor, qual cela sem grades da qual não conseguia sair. Não queria sair. Ocupei-o! Reclamei-o! Esse fértil e disputado terreno, conquistado em tão grandiosa batalha numa guerra que ambos vencemos. Foi meu! Fez parte do meu reino. E expulsaria qualquer tentativa bárbara de invasão, reduzindo as suas intenções a pó, apenas com a revelação do meu poder soberano a cada passo firme nesse território.

O teu convite para sair chegou inesperadamente, num envelope tão tímido quanto decidido. A cada palavra desacreditada, sentia a retirada da tua mão do cimo da minha, num desentrelaçar de dedos tão vagarosamente alinhado e planeado, como se te preocupasses em deixar intacta a destreza sentimental que tal gesto outrora teve. Como se quisesses transformar a realidade presente num sonho passado, como se quisesses nunca ter amado.

Ainda sinto a tua mão por cima da minha quando a levo à alavanca para engrenar a velocidade seguinte… mas a minha chave já não abre a porta de casa.

Romeu ©

O que faz de ti tão diferente?

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No meio de tanta gente, o que te torna tão diferente?

No meio de tanta gente, o que te torna tão diferente? Será esse ar eloquente, quando te cruzas de frente com quem quer que entre? Será esse gesticular inteligente? O que será que se sente, daí do alto da tua mente? Será que me achas atraente?

No seio de tamanha multidão, o que te torna uma ilusão? Arriscar pensar que tenhas coração, imaginando a sua voz quando outrora estivéramos a sós? Ver-te mudar de direcção, sem nunca os teus olhos se cruzarem com o chão? Será talvez a paixão, essa espécie de canção, que de quando em vez, justifica quem nos fez!

No meio de tanta gentalha, porquê tu a minha acendalha? Porque foste atear, neste bote a naufragar, tamanha desinquietação, num repalpitar de coração? Olhaste de esguelha, disseste: “Essa é velha!”, e ligaste o meu arrepio com esse ondular do teu corpo esguio. O meu mundo estava embasbacado, por contigo ter sonhado. Fiquei recuado… no tempo parado!

No meio de tanta maldição, porquê tu a minha perdição? Porquê tanta afeicção por ser o teu mundo de eleição, e tanta correria, para garantir que nunca te perderia? Tanto desejo de ser recalcado, por onde quer que houveras caminhado. Tanto desejo de ser amado, por quem houvera sonhado.

Se te tivesse conhecido… ter-te-ia reconhecido?

No meio de tanta gente… o que te torna tão diferente… é seres mais de toda a gente!

Romeu ©

There’s a moon over the street tonight

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(Que me perdoe o Luis Vaz
Esta grande insensatez
Este apetite voraz
De escrever em inglês)

“There’s a moon over Bourbon Street tonight…”¹ but I don’t see faces as no one passes beneath the pale lamplight. “I have no choice but to follow that call…”¹ I have no choice but to follow NO call. No call at all. Bunches of uninvited assorted lyrics, once parked next to past tombstones, rise furiously and assault my mind in a tentative to bring me into a sense state. “I can… feel… one of my turns coming on… “²  I feel… a container for the storm, a boundary between the nuclear explosion and the world, where everyone smiles at me while judging my inner me as I smile back. “Isn’t it ironic? Don’t you think?”³ A little too ironic… and yeah, you really do think!  It’s like… wishing you were here, since only you have the power to make a life out of simple things, but having you just don’t make it simple anymore… “and I feel… cold as a razor blade, tight as a tourniquet, dry as a funeral drum… “². “Just one of my bad days…” or is it a good one? I am not able to tell anymore. They become indistinguishable as I went comfortably numb. I am a container, remember? Now, reduced to the warm result of the extinguished fire after the nuclear rage explosion. Just… ashes to ashes. No more traps in the minefield, but also no more fake plastic trees.  No more “We could be heroes… just for one day…”4  and also no more “nerve to make the final cut…”² .

Romeu ©

1) Songwriters
SUMNER, GORDON MATTHEW
2) Songwriters
ROGER WATERS
3) Songwriters
GLEN BALLARD, ALANIS NADINE MORISSETTE
4) Songwriters
BRIAN ENO, DAVID BOWIE

Decidi morrer

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Decidi repor a verdade, de livre vontade. Decidi provocar, para quem não gostar, expor o pensamento em qualquer momento. Decidi libertar, até o coração parar. Decidi voar, saborear o ar, sem medo de ir na hora de cair.

Decidi morrer! Nada a fazer! Decidi inspirar a prazo o cheirinho matinal da erva molhada e não pensar em nada. Rebolar-me no feno até ficar sujo em pleno. Atirar-me de um penhasco e mergulhar de cabeça sem fiasco que me impeça. Decidi pedir desculpa. Mesmo sem culpa. Decidi concordar, mesmo sem falar. Decidi dar, mesmo sem cobrar. Não estarei cá para o fazer. Decidi amar-te. E escrever. Não estarei cá para to dizer. Não estarei cá para te ver ler. Não estarei cá para te ver crescer, envelhecer, desesperar por um abraço a cada mau passo. Para te sorrir de cada vez que te vir. Para te beijar a cada acordar. Para te amar já. Não estarei cá.

Decidi repor a verdade, de livre vontade. Decidi provocar, para quem não gostar, expor o pensamento em qualquer momento. Decidi libertar, até o coração parar. Decidi voar, saborear o ar, sem medo de ir na hora de cair. Decidi livrar a mente de qualquer medo dormente. E estar comigo somente. A luz apagar, e com a vela no ar, as recordações folhear, para o naipe de emoções levar.

Decidi morrer…… e comecei a viver.

Romeu ©

Memórias de um Lençol

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Puxo um pouco mais o lençol… deixando a descoberto a textura solitária do teu lado da cama.

Puxo a ponta do lençol para tapar o meu peito frio. Cobre-me o corpo mas não cobre o vazio da vida sem ti. Não tapa a tua recordação, a falta da tua presença. Essa tal que anda sempre de braço dado comigo, que acompanha os meus movimentos, o meu respirar. Que me beija o rosto quando o viro de lado, que me segura a mão quando atravesso a rua, que entrelaça o seu olhar no meu quando silenciosamente me confessa paixão. Não há recordações más… mesmo quando por muito duras e desnecessárias que fossem as palavras que atiramos um ao outro, elas não nos separavam, não tinham esse poder. Como poderiam ser essas recordações assim tão más, quando estávamos juntos na discussão? Juntos no desentendimento? Juntos no planeamento discordante do nosso futuro? Juntos… na vida, na felicidade, no amor, na cama… sempre… juntos! Puxo um pouco mais o lençol, o qual obedece sem qualquer resistência, deixando a descoberto a textura solitária do teu lado da cama. Estico o braço e desenho com as pontas dos dedos os teus contornos, exatamente nos lugares onde eles repousavam, onde a cada acordar se tornavam responsáveis por toda a ondulação que este lençol já conheceu. Onde a cada acordar de um beijo se revelavam carentes de prazer, e se entregavam de alma à vontade decidida do seu mestre com um tímido suspiro. “Não pares…” pedias tu. A cada maré cada vez mais curta, a cada onda cada vez mais enrolada, encontrávamos o nosso destino num mar de prazer. Na volta à calmaria, o teu riso fazia de mim mais homem, enquanto o aconchego do lençol repunha todas as expectativas de um recomeço. Este mesmo lençol que agora é apenas… um lençol.

 

Romeu ©

Não vás

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Sonhavas com o xeque-mate que me deixaria rendido a ti, que me faria ser tomado por ti.

Perdi a oportunidade. Amedrontei-me! Acho que a emoção me placou a razão. Deixou-me imóvel, petrificado, de coração no chão, como quem se esqueceu de como chegou ali. Como quem tenta numa fracção de segundo, empilhar todos os contras e medi-los contra a vontade de seguir em frente. Esgotei assim a chance de te segurar pela mão no momento em que decidiste virar-me costas. Agora sei que bastaria um “Não vás… ” para que desses oportunidade, ao meu amor por ti, de desferir o golpe final neste orgulho destruidor. Agora sei que o sonhavas… Sonhavas com o xeque-mate que me deixaria rendido a ti, que me faria ser tomado por ti. Sonhavas com o momento em que no teu olhar eu perceberia que todas as tuas jogadas dissimuladas até então, tinham esta explicação como objectivo. Esta tomada de posse! Cercaste-me de amor e eu apenas tinha de avançar uma casa. Apenas tinha de a marcar como nossa. A nossa casa. A casa… comigo?!
– Não vás…
Hoje vi-te nos braços dele. Vi nele a felicidade outrora minha, e vi em ti o desalento de quem desiste por não ter adversário à altura. Não te fiques por esse campeonato. Perder por desistência não é para ti.
Eu tive a minha oportunidade e perdi. Não percas a tua… eu ainda estou aqui!

Romeu ©

Saíste à pressa

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Perdia-me no teu encanto e só pensava que cada segundo teimoso era um segundo desperdiçado. Mas isso era eu, que te amava todos os dias como se fosse o último. Até que foi! Saíste à pressa.

Hoje cheguei a casa e fui procurar a vontade de viver. Onde a terias deixado? Tínhamos combinado que me deixavas alguma, assim que te fosses. Já procurei ao lado das massas, da tostadeira, e até atrás de todos os copos que costumavas alinhar e rodar até parecerem soldadinhos de chumbo numa parada. Nada. No armário dos detergentes, estava alguma auto-estima, mas já fora do prazo de validade. Junto à pasta de dentes… o teu mau feitio. Como te podes ter esquecido de uma coisa destas? Como podes viver sem ele? Lembro-me de ficares irritada por eu lhe sorrir. Acho que nunca percebeste que lhe sorria porque ficava a admirá-lo… e à maneira como ele era perfeito em ti, como ele te conferia toda essa genuinidade. E atrás, num daqueles armários em que acumulavas os discos de algodão desmaquilhantes, uma boa dose da tua teimosia – aquela que me vencia sempre no braço de ferro, por muitos espinafres que eu comesse. Era uma luta desleal, e eu nunca tive frieza para ela. Perdia-me no teu encanto e só pensava que cada segundo teimoso era um segundo desperdiçado. Mas isso era eu, que te amava todos os dias como se fosse o último. Até que foi! Saíste à pressa. E só agora estou a dar conta do que deixaste para trás para conseguires seguir com maior ligeireza. Deixaste para trás tudo o que te pesava, tudo o que te poderia atrasar na tua fuga desesperada pela felicidade. Seguiste despida dos teus defeitos, pensando que isso te levará a alcançar uma maior pureza no grau de felicidade pelo qual lutas. Nunca por um momento olhaste à tua volta com distanciamento suficiente para perceberes que todos os teus defeitos eram bem vindos nesta casa, cada um deles tinha o seu quarto, o seu espaço. Cada um deles te apimentava, te tornava mais apetecível, e provocavam a minha ânsia de os consumir. Buscas felicidade maior do que ser amada por tudo que és?
Boa viagem.

PS: Devolve-me a vontade de viver e ficamos quites!!!

Romeu ©

Psst! Psst!

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Psst! Psst!

Sim, tu mesmo. Eu estou aqui e vejo-te aí parado no tempo. Tu que olhas em frente e nada vês. Que procuras e nada encontras. Sim tu, que continuas a procurar à volta o que não encontras, o que só está dentro de ti. Que teimas em continuar a esbarrar no teu cinzento, no teu nada e ficas-te no vazio dos teus dias. Deixa que esta manhã de Inverno, devolva ao teu olhar o colorido das suas folhas, que se levantam a cada sopro deste vento frio e seco. Deixa que ele te varra todos os cinzentos das tuas manhãs dos teus dias do teu ontem, do teu hoje.

Sim, tu mesmo. Eu continuo aqui e peço-te: chuta para bem longe todas as sombras que teimas em deixar que pairem sobre ti. Deixa que a luz do Sol entre e te aqueça. Sente o calor do seu amarelo, deixa que ele encha os vazios que teimas em não deixar preencher. Deixa que o verde das folhas te esperance e que te faça cair as caducas das sombras das tuas cinzentas memórias.

Psst! Psst!

Continuo aqui, e nada vejo em ti sinais de mudança outrora primaveris, para além da tristeza do teu olhar, que teimas em manter perto de ti. De mim. Sim tu aí, porque hoje estou aqui e amanhã deixarei de estar aqui sempre para ti.

Psst! Psst!

Não fintes os teus dias…

Julieta ©

Bilhete de Ida

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Os segundos passam por mim dizendo que aquele momento que eu ansiosamente espero já não volta, e a cada um que o proclama, está mais longe…

Vagueando pela impessoalidade de um corredor de aeroporto, os intermináveis mosaicos no chão parecem querer chamar-me à atenção. Apontam para o seu recorte e dizem: “Não há volta!”  – e vão-no repetindo impiedosamente a cada passo descoordenado e triste em direção a uma qualquer porta de embarque. Um sorriso retardado faz-se notar, desprendido de todo o novelo de tristeza que tenho no lugar onde outrora fui feliz. Como podemos ser tão cegos quando temos tudo, e tão agradecidos quando não temos nada? A sensação de perda leva tudo de nós, deixa apenas um recipiente vazio num sítio onde outrora existia um homem, um amante, um coração entregue para ser cuidado, para ser tomado. Um coração capaz de derrotar os mais temíveis monstros da história quando envolto no calor da tua paixão – esse calor suave e envolvente, como quem põe todo o seu amor num movimento de lábios para dizer um simples: “Amo-te”! Tenho frio! Os segundos passam por mim dizendo que aquele momento que eu ansiosamente espero já não volta, e a cada um que o proclama, está mais longe… mais baixinho, como que mostrando que a esperança do relógio volte para trás se fosse reduzindo a cada volta, mas no entanto sem nunca desaparecer. Dói! Dói saber que o relógio nunca girará no bom sentido, mas ao mesmo tempo nunca perder a esperança do impossível.

Romeu ©

Luz

Sentado numa escadaria fria, tento encarar o Sol já enfraquecido pela hora do seu poente. O calor ténue do seu último raio ainda me atinge a face, como que num esforço celeste para se fazer recordar antes de devanecer.

Contrasta com o frio que se ergue da escadaria e me tenta para as trevas, invejando os últimos momentos do dia. Fecho os olhos e sinto-te. Sinto os teus lábios percorrendo a minha face, apenas do lado iluminado, do lado quente como se o teu toque viesse num raio de Sol e impedisse as trevas de se apoderarem de tudo o que sou.

Quero mais.

Levanto-me com a vontade que esse teu raio de Sol me devolve e elevo-me a uma altitude inalcançável pelas trevas, procurando o lugar onde possa estar sempre tocado pelo teu calor, pelo teu amor, procurando que me rodeies, que me aqueças, que me vires do avesso e me faças brilhar.

Mas abro os olhos e vejo a escuridão de uma noite sem ti, o lento e agoniante anoitecer sem te ter ao meu lado ao alcance de um abraço, à distância de um beijo apaixonado. Quero-te.

Quero poder mostrar ao Sol que continuo aconchegado enquanto ele arrefece, continuo iluminado mesmo quando ele não entra pela vitrina, que continuo de pé mesmo quando ele se deita.

Quero poder contar-lhe que sei como é a sua luz, que a sinto todas as noites quando fecho os olhos e encostas a cabeça descansada no meu peito, que sei como é o seu calor quando sinto a tua respiração no meu pescoço, que a suavidade daquele último raiar do dia está em cada beijo que o teu coração guarda para mim.

Ilumina-me.

 

Romeu©

Razão

© Do alto dos teus saltos estendes um longo manto de indiferença com a tua passagem. Ele destrói sonhos de quem olha para ti com paixão, com a vontade de uma vida. Mas eu escondo os meus sonhos nos recantos mais longínquos e íntimos do meu coração, esperando mantê-los a salvo do teu manto destruidor, alimentando-os com a tua saudade quando não estás por perto, pois são apenas eles que devolvem ao meu coração a vontade de bater, a vontade de viver!

Mas os sonhos cresceram e o seu esconderijo já não é mais suficiente para os albergar em segredo. Vão explodir e fazer o meu amor por ti transbordar, derramado em cima do teu manto, pois o meu coração já não tem força para esconder o que se tornou maior que ele próprio, mais forte que ele próprio, mais real que ele próprio. Olho com desespero o sonho a esvair-se entre os meus dedos, que aperto, numa tentativa desesperada de o salvar do teu alcance, mas em vão. Só que este sonho acreditava nele próprio e dizimou o teu manto protetor com a incandescência do seu desejo, sobrepondo-se a todos os nossos pensamentos, vontades e crenças. Deixou-nos frente a frente, olhos nos olhos, obrigados a enfrentar a sua força, a sua razão.

Já não tens manto, já não tenho sonho. Fez o seu trabalho e legou-nos a nossa realidade: O nosso amor!

Amo-te.

Romeu

Sete e meia

Sete e meia. Mais cinco minutos, peço! Sete e meia. No meio do nevoeiro, o som do rebocador que me vem tirar do limbo emerge de uma qualquer mesa de cabeceira. Estico o braço e primo o botão grande. Mais cinco minutos, peço. E mando-o circundar-me silenciosamente para poder aproveitar …

O que vamos vestir hoje?

(..) O que vamos vestir hoje? Temos o “indiferente”, o “estou feliz sozinho”, o “sou simpático e divertido, como é que ainda não repararam?” Olá, bom dia! Estás um bocado embaciado, hoje! Acho que ainda não vai ser este último detergente, que compramos ontem, que vai contribuir para a definição …

Será I Pedro Abrunhosa

Será

Será que ainda me resta tempo contigo
ou já te levam balas de um qualquer inimigo

Será que soube dar-te tudo o que querias
ou deixei-me morrer lento no lento morrer dos dias

Será que fiz tudo o que podia fazer
ou fui mais um cobarde nao quis ver sofrer

Será que lá longe ainda o céu é azul
ou já o negro cinzento confude o norte com o sul

Será que a tua pele ainda é macia
ou é a mão que me treme sem ardor nem magia

Será que ainda te posso valer
ou já a noite descobre a dor que encobre o prazer

Será que é de febre este fogo
este grito cruel que da lebre faz lobo

Será que amanha ainda existe para ti
ou ao ver-te nos olhos te beijei e morri

Será que lá fora os carros passam ainda
ou estrelas cairam e qualquer sorte é bem vinda

Será que a cidade ainda está como dantes
ou cantam fantasmas e bailam gigantes

Será que o sol se põe do lado do mar
ou a luz que me agarra é sombra de luar

Será que as casas cantam e as pedras do chão
ou calou-se a montanha rendeu-se o vulcão

Será que sabes que hoje é domingo
ou os dias nao passam são anjos caindo

Será que me consegues ouvir
ou é tempo que pedes quando tentas sorrir

Será que sabes que te trago na voz
que o teu mundo é o meu mundo e foi feito por nós

Será que te lembras da cor do olhar
quando juntos a noite não quer acabar

Será que sentes esta mão que te agarra
que te prende com a força do mar contra a barra

Será que consegues ouvir-me dizer
que te Amo tanto quanto outro dia qualquer

Eu sei que tu estarás sempre por mim
não há noite sem dia nem dia sem fim

Eu sei que me queres e me Amas também
me desejas agora como nunca ninguém

Não partas entao não me deixes sozinho
vou beijar o teu chão e chorar o caminho.

Pedro Abrunhosa & Os Bandemónio

In Álbum: Tempo – 2006

letra 01. Não Dá
letra 02. Dá-me Tudo O Que Tens Para Me Dar
letra 03. Se Eu Fosse Um Dia O Teu Olhar
letra 04. É Difícil
letra 05. Sexo
letra 06. Se Eu Voltar
letra 07. Acima & Abaixo
letra 08. Nunca Te Perdi
letra 09. Tempo
letra 10. Será
letra 11. Manhã
letra 12. Parte De Mim

Hoje vi-te!!!

O som seco dos teus saltos impunha o ritmo da tua presença Hoje vi-te. Desdenhavas as escadas com mestria, ondulando a anca a cada degrau. O som seco dos teus saltos impunha o ritmo da tua presença. Nada fica indiferente. Nada se mantêm igual. O teu olhar alheado ao retocar …