“Não te distraias!” – dizias.
Ainda sinto a tua mão por cima da minha quando a levo à alavanca para engrenar a velocidade seguinte. Lembro-me do seu constante vai e vem entre esta mesma alavanca e o teu colo, e o teu sorriso automático de cada vez que ela voltava para ti. “Não te distraias!” – dizias.
Milhares de quilómetros que fizemos lado a lado, milhares de quilómetros que nos trouxeram até aqui. Ao mesmo sítio. A casa! Contigo ao lado, sempre estive em casa, sempre estive a horas. Estive sempre lá! Contigo! Tu eras o meu referencial tempo-espaço, o meu norte magnético, o eixo dos ponteiros do meu relógio. Tudo o resto era acessório, apenas uma aglomeração nublosa de estados e acontecimentos num qualquer ponto cardeal ou colateral. Poeira! A vida era vivida a partir do centro, e não em uma sucessão de correrias esgotante de evento em evento. Revigorante. E não é assim que deve ser? Haverá maior sensação de liberdade do que um entrelaçar de vidas materializado na forma como o meu olhar – e apenas ele – abria a porta de casa? Tão espaçoso, o teu coração, visto de dentro! Tão… translúcido, aprisionava e concentrava toda a luz natural para me oferecer o melhor de ti. Tão… acolhedor, qual cela sem grades da qual não conseguia sair. Não queria sair. Ocupei-o! Reclamei-o! Esse fértil e disputado terreno, conquistado em tão grandiosa batalha numa guerra que ambos vencemos. Foi meu! Fez parte do meu reino. E expulsaria qualquer tentativa bárbara de invasão, reduzindo as suas intenções a pó, apenas com a revelação do meu poder soberano a cada passo firme nesse território.
O teu convite para sair chegou inesperadamente, num envelope tão tímido quanto decidido. A cada palavra desacreditada, sentia a retirada da tua mão do cimo da minha, num desentrelaçar de dedos tão vagarosamente alinhado e planeado, como se te preocupasses em deixar intacta a destreza sentimental que tal gesto outrora teve. Como se quisesses transformar a realidade presente num sonho passado, como se quisesses nunca ter amado.
Ainda sinto a tua mão por cima da minha quando a levo à alavanca para engrenar a velocidade seguinte… mas a minha chave já não abre a porta de casa.
Romeu ©